Confira nosso MPH Entrevista com Marina Colerato, do Instituto Modefica.
Marina, queria que contasse um pouquinho sobre ti? Quem é? O que faz? Qual sua formação? Como começou na moda?
Eu estou diretora do Instituto Modefica, uma organização de mídia, pesquisa e educação que atua por justiça socioambiental e climática com uma perspectiva ecofeminista. A organização existe desde 2014 e atualmente nós fazemos jornalismo, pesquisas e iniciativas educacionais que evidenciam como as alterações climáticas e a devastação ambiental impactam de forma mais sistemática mulheres e pessoas não-brancas. Mas eu trabalho com comunicação há quase dez anos, com uma trajetória na área de moda e cultura. Me formei em moda em 2009; fiquei dividida entre moda e jornalismo e acabei indo para moda na graduação e fazendo diversos cursos extras de jornalismo.
Uma série de fatores em conjunto – tanto no âmbito profissional quanto pessoal – me levaram para a questão ambiental, climática e esse jornalismo mais denso com o Modefica. E minha trajetória em moda faz com que olhemos com bastante atenção para essa indústria, especificamente para os impactos socioambientais do setor. Além disso, atualmente sou mestranda em Ciências Sociais, na PUC/SP, com uma pesquisa focada em clima, gênero e neoliberalismo. Sou uma eterna estudante nesse sentido, ecofeminista declarada e eterna anti-neoliberal, claro. Também estou com uma coluna mensal na ELLE e sigo minha paixão pela escrita com meu projeto pessoal de newsletter Lado B.
Uma das pesquisas do Modefica é relatório Fios da Moda, certo? Nele, vocês apontam uma série de questões sobre ausência de dados e informações abertas sobre o processo produtivo da moda. Qual o caminho a ser adotado para essa indústria ser mais transparente?
Pressão das pessoas em cima das corporações e pressão das pessoas em cima dos políticos que os eleitores elegeram, para pressioná-los a aprovar ou aprimorar legislações e mecanismos de transparência. Sem pressão social e sem regulação jurídico-legal, fica a cargo da boa vontade dos CEOs e investidores, algo que não temos mais tempo para esperar acontecer.
Nesse sentido, podemos então trazer o PL 6299/02, conhecido como PL do Veneno. Você pode explicar para quem é totalmente leigo no assunto o que esse projeto de lei representa para o Brasil?
A possível aprovação desse projeto de lei preocupa por vários motivos, sobretudo porque sob a gestão Bolsonaro batemos duas vezes os recordes históricos de aprovação de agrotóxicos no país, agrotóxicos comprovadamente perigosos e banidos em países europeus pelo seu potencial tóxico. E o PL visa praticamente “institucionalizar”, ou “legalizar”, esse processo ao flexibilizar os ritos, tirar o poder da Anvisa e do Ministério do Meio Ambiente na tomada, banir o termo “agrotóxico” – uma conquista bastante importante para alertar sobre os riscos sobretudo de manuseio do produto.
Enfim, há uma série de problemas. Mas o que eu quero destacar é que quanto mais a gente direciona nossas políticas de incentivo ao veneno, menos investimos no fomento à produção orgânica ou agroecológica. A FAO tem um relatório robusto que mostra que a transição para uma agricultura regenerativa é crucial para contermos o avanço das alterações climáticas e o Brasil, como em todos os outros aspectos, está dando passos gigantescos para trás. A aprovação desse PL seria mais um desses passos.
O PL só beneficia um grupo bastante restrito da população – a saber: ruralistas e multinacionais produtoras de agrotóxicos – enquanto intoxica e priva a maior parte da população de uma alimentação sem veneno. Inclusive, um dado importante é um aborto a cada quatro grávidas. Uma região no Piauí, próximo a plantações de soja, milho e algodão mostrou as relações entre o uso de agrotóxicos e os abortos – e encontrou agrotóxico no leite materno das mães.
É por isso que o Modefica se juntou ao Fashion Revolution e ao Rio Ethical Fashion para uma campanha contra o PL do Veneno e que mostra as relações entre a moda e o agronegócio brasileiro. Tivemos um apoio enorme, passamos de 40 mil assinaturas na petição e já estamos articulando a entrega da petição aos congressistas bem como compromissos do setor da moda com a questão. Setor esse que tem estimulado muito essa produção repleta de veneno.
Tivemos a triste notícia que homens têm menos preocupação com o meio ambiente, e reciclam menos e não gostam de usar sacolas reutilizáveis, pois acreditam que isso fere a masculinidade deles. Você pode nos explicar um pouco disso?
Pois é. Temos uma série de pesquisas e dados apontando sobre essa relação. Existe uma cultura, intensificada pelos processos de comunicação e publicidade neoliberais, de que a masculinidade está vinculada a não se importar com nada nem com ninguém. Quanto menos eu me importo com o outro, mais “macho” eu sou. Uma série de textos, artigos, pesquisas no âmbito das ciências sociais, da psicologia, da filosofia, etc., revelam esse comportamento avesso a tudo relacionado ao cuidado.
O patriarcado-capitalista sedimentou na nossa cultura ocidental o machismo, o sexismo, a misoginia de forma que hoje deixamos para as mulheres, principalmente mulheres negras, todo o trabalho de reprodução social, que é fundamentalmente sobre o cuidar: desde pegar água no rio próximo para fazer a comida (e o rio precisa estar limpo para isso) a cuidar do pai ou da mãe debilitados na velhice. Então seria muito difícil que homens cuidassem e se importassem, ainda mais com algo visto feito para ser dominado, que é a natureza. Há todo um processo de socialização instituído para que eles ajam da forma oposta.
O que eu acho mais importante ressaltar nesse sentido é que fica pior quando pensamos isso dentro de um contexto de política e poder. Hoje, nossos espaços de poder – públicos e privados – são repletos de homens, normalmente brancos, com trajetórias extremamente similares e originados em classes sociais abastadas. Estamos vendo, claro, algumas ranhuras nesse modelo, mas ainda são ranhuras se pegarmos todos os espaços de poder em debate, principalmente o Estado.
Com isso eu pergunto: o que podemos esperar em relação a políticas públicas, ferramentas, tomadas de decisão vindas desses espaços de poder? Podemos esperar cuidado dado todas as informações e exemplos empíricos que temos? E não tem argumento contra. É só pegar os dados para ver que países com mais mulheres no poder têm políticas socioambientais mais adequadas ao bem-estar social.
Para finalizar, gostaríamos que deixasse uma mensagem aos nossos leitores.
É importante considerar que a vida na Terra está condicionada a elementos naturais como água, ar, solo e certa estabilidade climática. Eu acho que tem gente que pensa que dá, mas não dá pra comer dinheiro. Embora, como a história bem nos mostra, dá para comer sem dinheiro. É uma atitude autodestrutiva não se importar. Estamos falando em mais de 100 milhões de refugiados do clima, estamos falando de alimentos e recursos mais caros, estamos falando de enchentes e alagamentos como vimos acontecer no Rio de Janeiro, Belo Horizonte e tantos outros lugares no Brasil que estão, ano após ano, apresentando fluxos de seca-chuva cada vez mais extremados. Dispensável falar da Amazônia, né?
Isso não é um trabalho fácil para os homens, há todo um debate de desconstrução da masculinidade tóxica para ser encarado – inclusive os elementos de ódio ao feminino e a tudo que remete ao feminino, como a própria natureza tantas vezes posta como “mãe”. Infelizmente a sobrevivência de mais da metade da população mundial está relacionada a determinadas atitudes da outra metade. Essa responsabilidade é real então é hora de agir de acordo.