A importância da cultura de moda e a crítica genuína

O FFW publicou na última semana uma matéria em que Godfrey Deeny, editor do jornal francês Le Figaro afirma que blogueiros não têm muita cultura de moda e que eles jamais criticam marcas e estilista (veja aqui). Menos de uma semana depois o mesmo site publicou uma matéria com algumas blogueiras, em que rebatem as críticas de Godfrey. Uma das afirmações da blogueira por trás do Garotas Estúpidas me chamou atenção por ir direto ao ponto: “Eu acho muito importante ter cultura de moda, mas eu sei o que funciona para o meu veículo, para o meu leitor. Tenho vários livros de moda, mas o meu leitor não quer saber disso. Ele quer ver o que estou usando, que marca é, quem é o estilista”. Entre as afirmações desnecessárias e sem embasamento, Chris Francini (do blog Look do Dia) prova que certas blogueiras não têm mesmo cultura de moda: “Acho que os críticos de moda, não só os blogueiros, não devem ficar falando mal daquele desfile, porque sempre tem coisas boas” really? E foi entre comentários mal elaborados e afirmações polêmicas que eu comecei a me questionar sobre a importância da cultura de moda para um blog e da crítica de moda para a própria moda.

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Por que crítica de moda é importante?

Primeiro é importante desmistificar a afirmação da Chris Francini, que acha que criticar é falar mal: criticar é avaliar, reconhecer as coisas boas e ruins de alguma coisa, ser o mais imparcial possível e, claro, falar dos aspectos positivos e negativos, além contextualizar a criação para um entendimento coerente e justo daquele público leitor. E falando em contextualização, vamos falar um pouco de história: os então costureiros, no início do século passado sofreram para que sua profissão fosse devidamente (re)conhecida e respeitada. Trocando em miúdos: demoraram um bom tempo para serem, finalmente, reconhecidos como criadores, e não simplesmente costureiros que reproduziam os pedidos dse suas clientes (estamos falando de 1890). Ninguém gostava do termo e equiparar uma criação de roupa com uma obra de arte, por exemplo, foi (e é) algo não muito bem digerido. Charles Worth, por exemplo, (considerado o primeiro estilsita e criador da Alta Costura) vestia-se como um pintor (jaleco branco e boinas) para passar a imagem de um artista e, assim, alcançar maior credibilidade com seu trabalho. Tadinho.

Charles Worth

A crítica de moda se torna essencial exatamentre nesse ponto. Se a moda quer ser vista como arte, é preciso que as críticas existam, assim como existe no cinema, nas artes plásticas, na música. Em um dos meus livros de moda encontrei a seguinte frase: “se moda for simplesmente mais uma mercadoria como leite e papel higiênico, a crítica não é muito necessária”. Talvez seja por isso que moda ainda é vista com olhos tortos pela sociedade e não tenha ganhado o mesmo reconhecimento que as outras artes ganharam ao longo da história. Porque faltam críticos comprometidos e sérios, como existe nos outros campos. É o jornalista de moda quem deveria, por direito, formar criadores e designers, e não o oposto. E é com essa informação que eu vou entrar no próximo assunto…

Publicidade, crítica genuína e o jogo de interesses

Reparem bem como anda o Instagram das editoras de algumas revistas de moda (vamos falar aqui só das nacionais): elas estão, cada vez mais, querendo se aproximar da figura de uma blogueira: jabás, viagem e lanchinho patrocinado pela marca tal para quem ficou na redação da revista sexta-feira até altas horas. O instagram das mulheres (e homens!) que assinam algumas das publicações de grande circulação, tornou-se a vitrine de algo que se parece um leilão: ganha a marca que oferecer mais.

Por outro lado, existe a crise editorial e um problema sério em manter uma revista de moda no Brasil. Não é novidade para ninguém (e eu espero que não seja mesmo) que a VOGUE, por exemplo, está nas bancas às custas das marcas que estão sendo anunciadas ali. (Tolinho, não pense que uma revista sobrevive com assinaturas ou do dinheiro sofrido que você, pobre estudante de moda, paga para o jornaleiro todo mês). Quem você acha que banca as viagens aos fashion weeks mundiais (e outras tantas coisas), dos repórteres, editores e produtores? São os anunciantes, sem mistério algum. Então como a pobre da Daniela Falcão (nada pessoal Dani, é só mesmo para exemplificar) vai falar mal da última coleção da Chanel, por exemplo? Ela tem mesmo é que falar bem, visitar o ateliê, fazer um Instagram e achar tudo lindo. De uma maneira indireta e discreta, é aquilo que faz a revista ir parar nas bancas. É uma grande pena, mas uma grande verdade. Afinal de contas, ninguém ali quer perder o emprego, certo? E é mais ou menos isso que acontece com as grandes blogueiras: um jogo cíclico e incansável de interesses das duas partes (veículo x marca).

Redação Vogue

“O meu leitor quer saber que marca eu estou usando e não sobre o que há livros de moda”

A afirmação da maior blogueira do Brasil está corretíssima: ela está falando sobre aquilo que o público dela quer saber e, claro, que traz retorno financeiro para ela. Isso é bem verdade, ainda que eu discorde com a postura que a maioria das grandes blogueiras tomam. Afirmar isso é trabalhar para os próprios interesses e transferir a responsabilidade da crítica para longe de si. As faculdades de moda chegaram no Brasil só mesmo nos anos 1980, o que prova que o assunto é embrionário por aqui e que as pessoas têm pouquíssimo conhecimento teórico e cultural (o mesmo leitor dos blogs de moda). Se elas têm uma ferramenta que se revelou tão poderoso como o blog, tem um público de um milhão de acessos e tem também cultura de moda, por que não mesclar conteúdo publicitário com crítica genuína, contextualização e uma dose diária cultura? Todos tendem a se beneficiar: o blogueiro, o estilista, o consumidor e a moda nacional. É semelhante ao discurso do governo de não querer dar a edução aos pobres para que eles sejam facilmente influenciáveis (e, com isso, encher mais o bolso). Pra quê dar informação relevante, se meu público quer mesmo saber onde comprar a bolsa tal e se endividar por mais seis meses?

Certo? Errado.

Portanto, um jornalista e editor de moda afirmar que os blogueiros não têm cultura de moda, como fez o moço lá na entrevista que mencionei acima, é generalizar e atirar contra o próprio pé. Afinal de contas, jornalismo de moda sério e imparcial tá difícil de ver em qualquer lugar, não só no Brasill. De fato, há blogueiros que não têm cultura e sequer buscam por informação, mas outros simplesmente falam aquilo que é interessante para eles. Como afirmou a Lia Camargo, “ter cultura de moda não tem muito a ver com aquilo que alguém escolhe falar a respeito”. E isso sim pode ser um problema, assim como também é um problema que as revistas falem daquilo que é comercialmente interessante para elas.

Suzi Menkes e Grace Coddington curtiram isso.

Blogueiro e designer de moda. Também escreve no Sem Geração.
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3 comentários em “A importância da cultura de moda e a crítica genuína

  1. A moda morreu, querido. Morreu com YSL. Mas vou te contar uma estória super divertida: a Danuza (Leão) quando trabalhava no JB, um belo dia ganhou de presente de um colunável um colar de esmeraldas. Ela ficou tão chocada, que levou o caso ao dono do Jornal; mandou devolver o colar; e riscou – para sempre – o nome do espertinho, que queria muito seu nome citado na coluna dela (Bom, hj nao existe mais coluna social). O que mostra a ética da Danuza; não se vende de maneira alguma. Hoje eu vejo blogs de moda para ver o que está usando, fotos, etc. Mas me dá uma certa vergonha essa quantidade de jabá, se vender por um kit de shampoo é meio complicado, pobre demais para o meu gosto. Um blog, na minha opinião, te dá mais crédito, quando ele é realmente autoral, sem fins lucrativos. Aí, vc pode meter a boca, criticar, etc. Mas moda mesmo, morreu, morreu com YSL. Nem elegância mais existe, nem luxo. Um abraço

  2. Excelente texto Dhyogo. Quando entrei na faculdade de jornalismo tinha em mente seguir nessa área, imprensa de moda. Mas percebi que, aparentemente, não há espaço para críticas nesse mercado. Especialmente o brasileiro. O que é uma pena, assim ele só se autosabota. “Filho que cresce sendo muito mimado acaba na cadeia” diz minha vó.
    Vamos pegar, por exemplo, os casos de trabalho escravo da Le Lis Blanc, nada se lia nas páginas do FFW, Chic, Lilian Pacce, (antigo) ModaSpot… Nada se lia nos cadernos de “moda” dos principais jornais do país. Não, estavam lá no caderno de economia. Que vergonha. Foi aí que percebi que não se trata de imprensa de moda e sim de ASSESSORIA de imprensa DA moda.

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