Certa vez, num workshop sobre tendências para o verão 2012, a palestrante dedicou grande parte dos seus slides para explicar como as marcas de fora do país inspiram-se muito mais no Brasil e suas riquezas que as próprias nacionais. Naquele momento, esse discurso me pareceu balela, tentativa de empurrar a tal “identidade nacional” nos logistas presentes. Estudando melhor o assunto vi que, de fato, nós inspiramos mesmo grandes marcas gringas com, muito mais que nossa riqueza nacional, nossos poetas, artistas e personalidades consagradas dentro de suas áreas. Oscar Niemeyer, Tarsila do Amaral, Romero Brito, Chico Buarque e Hélio Oiticica são nomes que influenciaram determinada época com seus respectivos tipos de arte em nosso país e, por esse motivo, ganharam e ganham homenagens na moda em marcas e instituições de outros países.
Nós temos a tendência de olhar e cultuar o que vem de fora (ou achar isso mais legal que o nosso), e isso não é novidade num país colonizado no meio de um processo pós globalizado. A rock street, cidade cenográfica dentro Rock in Rio (que, by the way, começa mês que vem) é inspirado em ruas de Londres. Nossos shoppings tendem a virar centros de compras com 80% de lojas gringas gigantes enquanto as nossas, brasileiras, ganham espaços cada vez menores. Não é difícil encontrar um restaurante japonês, italiano ou árabe com qualidade (e ambientação) de maestria nas grandes cidades nosso país, e por aí vai… Trazendo esse assunto para a moda, vejamos quantas marcas se inspiram na PopArt, no movimento de grandes bandas como Punk e sua Sex Pistols ou o Grunge do Nirvana. Em toda temporada nacional algum estilista se inspira em algum escritor, artista plástico ou cineasta famoso… Todos gringos.
Hoje, já não enxergo isso como “problema”. É natural que tenhamos conhecimento (e trazemos isso para nossa realidade enquanto nação) e nos inspiremos em outras obras, movimentos e personalidades de outros países. Se estamos cada vez mais abertos à informação, se cada vez mais as pessoas estão viajando e agregando conhecimento e referências, isso é ótimo. Só há uma certa preocupação, quando nossas próprias obras, artistas e movimentos, são esquecidos ou tratados com desdém.
Não sejamos radicais
Nossa lista de referências é extensa: temos o tropicalismo que invadiu os anos 1970 com psicodelia multicolorida -e com isso, uma moda completamente única e autoral-, enquanto o mundo gritava por paz e amor, fizemos história com o Rock d’Os Mutantes, quando o mundo vivia o modernismo dos anos 1960 e nos anos 1980 surgiu uma explosão de bandas do underground de Brasília, com referências gringas sim, mas com bastante consciência sobre o que acontecia no país -o que aconteceu semelhantemente com Seattle uma década depois- que influenciou toda uma geração e acabou por mudar o rock no nosso país, entre outros, muitos outros fatos e movimentos importantes que, quando bem entendidos, explicam muitas das coisas que vivemos hoje no país quando falamos de moda, cultura e música. Sem falar na arquitetura, comida, costumes, etc…
Chilli Beans e a nova coleção em homenagem à Cazuza
Tudo isso para apresentar a nova coleção da Chilli Beans, que resolveu homenagear Cazuza, no ano em que artista faria 55 anos, se estivesse vivo. Sim, essa coleção me surpreendeu quanto tomei conhecimento porque não é comum que marcas nacionais homenageiem poetas nacionais. Temos, claro, exceções, mas de uma maneira geral, não é o que vemos com volume sendo feito. Toda a coleção foi muito bem pensada em os 40 produtos foram inspirados em momentos importantes na carreira do poeta, que se traduziram em cores, grafismos e texturas, além de frases importantes estampadas em pulseiras e visores como: “Eu tô pedindo. A tua mão. E um pouquinho do braço.”, do hit “Maior Abandonado”. Para o lançamento oficial, feito sábado passado, a marca organizou uma performance unindo música e performances circenses no Circo Voador, Rio de Janeiro, palco importante para Cazuza e outras atrações (que uniram artistas de circo, pernas de pau, contorcionistas e equilibristas) pela rua Oscar Freire, São Paulo. A flagship paulista também organizou uma exposição com projeções e objetos e roupas pessoais no interior da loja com pocket show de Filipe Catto e Anna Gelinsk.