Quando a colonização começa pelo próprio colonizado.
Desde os tempos de Charles Worth, o pai da alta costura, tudo acontecia da França para o mundo até que, gerações mais tarde, cada povo soube se adaptar e a criar com sua própria identidade. Atualmente, quando as semanas nacionais de moda terminam, fica sempre a reflexão à cerca daquilo que chamamos de moda nacional: brasilidades, tropicalismo e suas vertentes. É lindo, mas será que estamos mesmos preparados para aceitar aquilo que nossa gente tem de melhor?
Povo colonizado tende mesmo a desejar aquilo que vem de fora, principalmente quando a época propicia esse conhecimento. Na moda, não tem por que ser diferente. Desfiles conceituais (e porque não dizer: não usáveis?) que possuem uma barreira grande entre o criador e o consumidor final eram mais comuns há alguns anos, apesar da veia comercial brasileira que sempre existiu. Mas o que vemos agora é uma profusão de ‘comercialismos’ de cara limpa sendo desfilados nas passarelas nacionais. Roupa pronta pra sair do palco e ir para as ruas. E qual o problema nisso?
O problema é que estamos condicionados a achar que o comercial é desprovido de conceito e nos é ensinado nas tão crescentes escolas de moda que ele (o comercial, o usável) está abaixo do que é considerado criativo e fashion. A crítica de moda no Brasil, afetada e extremamente virada para o exterior, por sua vez, observa o trabalho de nossos designers a partir de um olhar colonizado. Quanto mais se aproxima de um conceito europeu, mais credibilidade aquele desfile vai ter e mais distância da essência do nosso povo, também.
Não à toa, nos últimos anos, acompanhamos o fracasso de muitas marcas brasileiras, talvez devido ao seu conceitualismo forçado, feito para a apreciação da mídia, enquanto o setor financeiro da empresa ia de mal a pior. E nos últimos anos, outras marcas foram vendidas para grupos de investidores e seus donos passaram a ser, tecnicamente, diretores criativos das mesmas, como é o caso de Herchcovitch e Oskar Metsavaht (Osklen), grandes representantes da moda nacional. No âmbito internacional, um excelente exemplo é o afastamento do performático John Galliano da Dior (ou você acha mesmo que ele tenha sido afastado apenas pelas acusações preconceituosas?).
Seja como for, o Brasil é o país em que, apesar de todo crescimento tão em voga atualmente, ainda só 5% da população total fala duas línguas e 8 milhões de pessoas tem uma renda mensal de até R$70 (dados de 2012). Sim, o cenário está mudando, mas ainda sim, somos um país miscigenado, com uma cultura formada por fragmentos de várias outras, da Africana à Indígena. E não importa o quanto você viaje por ano: você faz parte de um país conhecido lá fora pelos tropicalismos. Um país em que as pessoas vão a shoppings de sandálias de dedo e a eventos sociais de jeans. Por que, então, achar que a moda daqui deveria ter as mesmas raízes que a feita lá fora? Por que devemos fazer uma roupa nem se nosso próprio povo irá usar? Se for apenas para estampar as capas de revistas, a moda perdeu completamente seu sentido, uma vez que não vai para as ruas. A informação de moda, por sua vez, está mais acessível (estamos aqui para provar isso) logo, os desfiles também devem se comunicar com todos os consumidores, com uma só linguagem sem segregação.
A moda nacional deve ser comercial sim, mas não por isso menos criativa. Materiais baratos (e não confunda com ruins), rendas artesanais de nossas rendeiras tão criativas, estampas paradisíacas, roupas para suportar o calor de 40ºC, muita cor e muita usabilidade SIM. Nas trilhas dos desfiles, por que não bossa nova e samba ao vivo? Faz parte da gente e negar isso só nos deixa mais colonizado. Colonizado… logo agora, que a moda conquistou a liberdade, vamos regredir?
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