Entre linhas de jornalismo é recontada a ascensão de grandes marcas da moda, que tem como pano de fundo a Itália dos anos 70. O enredo criado pela HBO Max em Made in Italy é o melhor prato para adoradores de cultura. Auto lá, que irei muito além aqui ao dizer cultura e não apenas moda.
A trama desenrola-se em meados de 1974 e em meio a tantas estórias das personagens, principalmente da personagem principal, Irene Mastrangelo (interpretada por Greta Ferro), podemos notar movimentos sociais em ebulição. A revolução feminista, a incorporação da mão de obra feminina ao mercado de trabalho, a retaliação aos homossexuais e a repudia a personagens negras na moda.
Sabor de moda, gosto de jornalismo e aroma de revista. Não se tinha uma forma melhor de dar aula de história da moda italiana que não fosse dentro de uma revista de moda.
Appeal, uma revista de moda italiana é o melhor cenário para backstages, shootings, fechamento de publicidades e desfiles. Num tempo áureo de revistas e que a moda era para poucos e de poucos, Irene, a protagonista, estudante de história da arte e poliglota, após ser reprovada na faculdade, busca por uma vaga de emprego. Ela consegue ingressar como estagiária na Appeal como uma “faz tudo” dentro da revista.
E, caro leitor, se você nunca teve a oportunidade de entrar e conhecer uma redação a fundo pode se sentar a cadeira e fixar os olhos na narrativa, pois a série retrata fielmente os dilemas do jornalismo. Pouco dinheiro. Muito trabalho. Vida social quase zero. Em meio a muito glamour de moda, marcas, modelos, pessoas bonitas e, outras, ricas.
O estresse contaminando. Pouco prazo para entregas. Editores-chefes quase sempre se comportando como Deus em relação aos demais. Muito se assemelha ao Diabo veste Prada.
Mas, a Appeal seria apenas o aperitivo para quem bebe da moda como fonte, seja porque trabalha com moda ou porque é admirador nato. Pois em Milão e suas belíssimas paisagens acontece a maior parte do enredo, que também é entremeado de outros países relevantes no contexto da moda e internacional, como Marrocos e Nova Iorque.
O gráfico da série é bem setentista, inclusive com cartela de cores de época e muito tabagismo, algo até então bastante chique e normal para o período.
Se como pano de fundo temos da Appeal, nossa manequim e modelo principal é Irene. Entrementes, no desenrolar da estória de Irene, imigrante do Sul e filha de um operário e de uma costureira, assim como outros tantos que buscam na cidade grande condições de vida melhores. Dentre outras personagens, com relevância e destaque, há Monica (interpretada por Fiammetta Cicogna) colega de trabalho, amiga e roomate.
Rita Pasini (interpretada por Margherita Buy) é outra personagem de grande relevância. Além de chefe de Irene, Rita revela a todos expectadores como é uma chefe de redação, semelhante não pouco casual ao Diabo Veste Prada.
O distanciamento entre superiores hierárquicos (chefes de redação e editores-chefes) em relação ao grande público e ao corpo de jornalistas eram muito comuns. O lado reservado, os convites exclusivos e o estrelismo era algo que pairavam sobre os grandes editores nessa época.
Como em qualquer lugar, mas com numeração certa para ser calçada na moda temos 2 antagonistas de Irene e Rita.
Ludovica (interpretada por Valentina Carnelutti) reflete bem a famosa pessoa que não pode ver uma oportunidade para puxar o tapete de alguém, no caso almejando o cargo de Rita.
Já Andrea Nava (interpretado por Sergio Albelli) fazia a parte comercial da revista e dá de bandeja aos leigos algo que nem se imagina. Muito do conteúdo editorial é pago, ou melhor, dizendo grande parte. Talvez nesse período com a relevância dos impressos mais ainda. Logo, dinheiro movimenta capas, colunas e redações.
O designer Filippo Cerasi (interpretado por Maurizio Lastrico) e o fotógrafo John Sassi (interpretado por Marco Bocci) são outras duas personagens que conversam muito bem com a protagonista. O designer Filippo é um gay, que experimenta na pele, como amar diferente e ser diferente num tempo em que ainda não se compreendia muito bem a homossexualidade. Já Armando Frattini (interpretado por Giuseppe Cederna) é o diretor da revista e ponto final dentro da tomada de decisões.
Já John se torna o grande caso de amor de Irene, que após a festa de noivado, opta pelo trabalho em detrimento ao relacionamento com seu ex-noivo.
Peça quase pronta se não fosse o ‘creme de la creme’, ou melhor, o detalhe ideal para finalizar o corte da vestimenta da trama.
Em meio a estórias pessoais, história geopolítica, a sobremesa ficou por conta da moda propriamente dita. Foi nesse período que grandes casas da moda italiana começaram a ganhar destaque e Made In Italy quer que você preste bem atenção.
Cenas como o desfile de Krivia e o tratamento com as modelos bem como um pouquinho da sua carreira. A Casa Missoni e, inclusive, o fato de a Missoni não comprar páginas na revista e, por isso, aparecer menos.
Sem contar que muitas das peças usadas na série são reais e foram emprestadas pelas Maisons, como as joias da Bvlgari.
Assiste-se literalmente à construção da moda italiana e inclusive recebemos como prato principal arquivos de grandes estilistas italianos, que dispensam apresentações, como: Giorgio Armani, Krizia, Miuccia Prada, Ferré, Elio Fiorucci, Versace e Valentino.
Quando a gente vê a moda prontinha como ela está hoje não nos damos conta que há a tão pouco tempo (quase 50 anos) era tudo muito diferente. Vemos que até então corpos negros eram inaceitáveis e apenas corpos nórdicos tinham destaque. O quanto a informação estava concentrada em poucos. E que a Itália ainda não tinha a expressividade que hoje goza na moda, ainda se curvando para Inglaterra e, principalmente, França.
Como se vê cada detalhe está muito bem costurado formando um enredo cheio de detalhes. Rico em termos de história, de moda e de storytelling. Logo, se você é daqueles aprecia moda, arte e cultura não pode deixar mergulhar nos episódios de Made In Italy e reviver um pouco da história de grandes casas das moda.
Parece ser uma trama incrível e rica. Gostei bastante da resenha!
Boa semana!
Até mais, Emerson Garcia