Se você acabou de chegar aqui e não está entendendo nada, dá uma lida nesta primeira parte. Se já leu, sabe que a entrevista abaixo foi escrita em cima de um capô de carro, com papel e caneta. Isso me fez pensar em o quanto a vida é imprevisível… e também que eu preciso melhorar a minha caligrafia. Transcrevi abaixo uma conversa franca que durou apenas alguns minutos, mas me deixou pensando sobre ela por vários dias.
EU: Rafael, fique tranquilo, o seu nome vai ser mantido em sigilo. Qual nome eu uso pra você na matéria?
RAFAEL: Qualquer um, o meu nome verdadeiro nem é Rafael. Eu mudo quase todo mês, cada época invento um diferente. Na minha profissão eu preciso ter vários personagens, senão eu fico louco. Só uso o meu nome verdadeiro com a minha mulher e a minha filha.
EU: Você é casado?
RAFAEL: Sou sim, tenho uma filha de 1 ano, sou casado faz três. Olha aqui uma foto da minha filha, o orgulho da minha vida. (tira o celular do bolso e mostra uma foto de uma criança)
EU: Você se incomodaria de falar sobre o seu casamento?
RAFAEL: Então… ela é garota de programa também, a gente se conheceu nesta vida. Aí acabamos nos apaixonando e estamos construindo um patrimônio juntos. Nós temos cabeça, não somos igual este pessoal que entra nesta vida e acaba gastando tudo com drogas. Temos casa própria, cada um o seu carro… este aqui é do meu patrão (batendo a mão no SUV blindado), mas eu tenho um Audi A4 e ela um Civic, ambos já estão pagos. Agora eu trabalho como motorista executivo particular deste meu ex-cliente, ele gostou de mim e acabou me dando este emprego. Mas a minha maior renda ainda é como garoto de programa.
EU: Você ainda sai com este seu chefe?
RAFAEL: Sexo? Só de vez em quando, ele é casado, tem filhos também, mas hoje em dia ele sai com outros garotos de programa. Eu acabei virando um amigo, motorista e de vez em quando a gente trepa, mas é raro.
EU: Você disse que muita gente desta vida usa drogas. Você não usa?
RAFAEL: A única droga que eu uso hoje em dia é antidepressivo, tem prescrição médica, é dentro da lei. Todo garoto ou garota de programa é depressivo, tem dias que a gente se sente um lixo… todo mundo, né? Mas eu não uso drogas não, se é isso que você quer saber, cocaína, crack, maconha, isso é coisa de gente fraca. Eu quero progredir na minha vida, não gasto com essas coisas não. Tudo que eu ganho eu invisto, daqui uns 7 ou 8 anos eu saio desta vida de prostituição e vou viver melhor do que quem trabalha em escritório.
EU: Como você entrou nesta vida? Qual a sua idade?
RAFAEL: Eu estou com 25 anos, mas com 17 eu já pensava em cobrar por sexo, sempre fui bonito, nasci em Santa Catarina e vim pra São Paulo quando decidi que não merecia ser metalúrgico para o resto da minha vida. Eu ganhava mal e ia demorar muito tempo pra ter tudo o que eu queria. Trabalhando como garoto de programa eu ganho mais do que você, pode apostar. Isso porque não sou desses que atende nas ruas, estes são uns coitados, ganham pouco e gastam tudo com drogas, acabam morrendo rápido. Eu já fiz umas fotos pra G Magazine… nunca fiz capa, mas fotos de dentro já fiz algumas. Isso acabou aumentando o meu valor para fazer um programa. O que eu cobro agora é muito mais do que eu cobrava antes de ter feito estas fotos…
EU: Posso saber quanto você cobra para fazer um programa?
RAFAEL: Tudo depende do que a pessoa quer, eu cobro no mínimo R$ 300,00 por hora, isso para fazer o básico, né? Tem cliente que pede de tudo, desde o maluco que só quer companhia para um jantar, porque se sente extremamente sozinho neste mundo, e isso é muito triste… até um safado que pede pra você transar com o cachorro dele. Aí o valor é bem maior, no mínimo uns… pô, nem vou falar!
EU: O que já lhe deixou mais assustado ou deprimido depois de fazer um programa?
RAFAEL: Olha, eu já fiz de quase tudo, não me choco com mais nada, o ser humano é bem criativo em relação ao sexo e já me pediram muitas coisas que todo mundo acharia absurdo e tal, mas eu considero apenas trabalho. Mas o que ainda me deixa deprimido é quando eu vou até a casa de algum cliente e vejo que ele é casado ou casada, tem filhos, uma vida que poderia ser feliz e acaba fazendo esta palhaçada toda em me contratar pra fazer tudo o que me pedem… sabe, fingem que são santos, tem uma vida toda certinha e mentem para as pessoas que são casados. Eu e a minha esposa jogamos limpo um com o outro, a gente sabe sobre o nosso trabalho e só estamos juntos porque nos amamos de verdade. Isso sim é amor… mas toda esta mentira que eu vejo por aí, me deixa triste, com nojo do ser humano.
EU: Me fala um pouco sobre…
RAFAEL: Posso te contar como foi o meu primeiro programa? Daqui a pouco já vou ter que ir embora e queria te contar isso, talvez seja interessante pra sua matéria…
EU: Claro que pode!
RAFAEL: Então, eu sempre fui hétero, mesmo transando com homens em troca de dinheiro, eu me considero hétero. Aí, rolou que um amigo me disse que sabia de uma produtora que estava fazendo teste para filmes pornôs ali no bairro Santa Cecília, perto do metrô. Eu tinha de 17 para 18 anos e fui lá ver qual era. Quando cheguei, me avisaram que aquilo era na verdade um Privê… aí eu assustei, né!
EU: O que é um Privê?
RAFAEL: É uma casa em que os meninos podem morar ou só atender. Entra o cliente, a gente faz fila e ele escolhe um de nós. Eu fiquei lá só umas 3 semanas, depois acabei conhecendo muita gente bacana em festas, baladas e eventos. Neste meio rola muita indicação, sabe? Se você sair com um cliente bom e ele curtir o seu trabalho, com certeza vai te indicar para mais pessoas. Mas deixa eu contar sobre o meu primeiro programa! Foi com um velho de uns 70 anos, ele me escolheu logo de cara, falou que eu era parecido com um neto dele. A gente chegou no quarto, ele pediu pra eu tirar a minha roupa e ficou me olhando por um tempo. Aí pediu pra eu beijar a boca dele, mas eu não quis. Aí ele foi aumentando o valor do “cachê”, na época eu preferia chamar assim o pagamento. Eu ia falando que beijo não, beijo não… mas aí ele me ofereceu em dinheiro o valor de 1 mês de aluguel. Eu topei, ele gozou só com o beijo e logo eu já estava morando num apartamento alugado ali na rua Bela Cintra, sozinho. Mas o meu primeiro programa foi assim, com um beijo num velho que me achou parecido com o próprio neto. Me dá mais um cigarro, por favor?
EU: Claro! Rafael, me conta como é o seu dia-a-dia, que horas você acorda?
RAFAEL: Eu acordo às 6 da manhã todo dia, porque preciso malhar para manter o corpo. Eu fiz 2 anos de faculdade de publicidade, mas não dava pra conciliar estudo, trabalho e malhação. Mas aí eu acordo, malho, volto pra casa, fico um pouco com a minha filha… cara, vai indo embora, o meu patrão tá chegando. E não me liga mais não, tá! Só se quiser um programa, mas chega de entrevista. Boa sorte!
. . .
Eu fui embora com a sensação de quem desceu na estação errada do metrô e não sabia voltar para onde estava ou nem se lembrava para onde gostaria de ir. Fiquei um tempo escrevendo algumas coisas que ia lembrando e não tinha tido tempo de anotar, tudo ali, em pé na rua mesmo. Pensei em ligar para a minhã mãe, tipo o filho que fica perdido no primeiro dia de aula, mas desisti. Acabei indo para a casa de um amigo e contei tudo o que havia conversado com o Rafael, que nem mesmo se chamava Rafael.
Olha, eu vou ser sincero, espero que você volte aqui amanhã para ler a terceira e última parte desta odisséia sobre garotos de programa. Sei que muitas pessoas vão dizer que já chega deste assunto, mas eu realmente sou curioso, sempre fui! Infernizei os meus amigos, conhecidos e até desconhecidos em busca de quem topasse me contar (e autorizar a publicação aqui) sobre as suas experiências sexuais com garotos de programa. Se a profissão existe, é porque há procura no mercado, óbvio!
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