MPH entrevista: João Braga

João Braga, um dos maiores nomes da história nacional, é o nosso MPH Entrevista da vez. Ele conta a seguir sobre sua carreira, suas perspectivas para a moda na atualidade e muito mais, confira.

Professor você pode nos contar uma pouco da sua trajetória na moda? Como começou, com que mais gosta de trabalhar etc.?

Sempre gostei das coisas mais voltadas às artes, criatividade, trabalho manual etc. Fiz duas licenciaturas pela UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora) na área das artes. Fazia, na sequência, um bacharelado mas, apareceu a chance de uma entrevista aqui em São Paulo (sou de Paraíba do Sul – RJ e fiz curso superior em Juiz de Fora – MG) na Cia. Têxtil Ragueb Chohfi que queria montar um ateliê de estamparia. Fui o aprovado.

Eu me mudei para São Paulo em 25 de fevereiro de 1985, e aqui estou até hoje, com um pouco mais de 35 anos decorridos. Não concluí o bacharelado por já ter dois cursos superiores e, vim trabalhar com moda. Trabalhei por doze anos nesta empresa. Comecei a me enveredar em cursos livres e de pós-graduação.

Gosto muito de estudar, especialmente pelo viés histórico. Depois migrei para o magistério e estou até hoje. Gosto muito de lecionar, principalmente a História da Moda. Gosto muito também de desenhar as minhas próprias camisas, sempre artesanais.

Você é referência em história da moda? Qual peça ou época você considera de maior destaque dentro da moda?

Não sei se sou referência em História da Moda. Acho que quando falam isso de mim, seja uma grande generosidade das pessoas. Gosto de vários períodos, salientando a Baixa Idade Média (período do gótico que, no seu transcorrer, já mais para o final vai fazer surgir o conceito de moda); gosto também do período do Barroco e, um pouquinho mais próximo, do período da Belle Époque e dos anos 1950.

Uma das peças que considero de maior destaque na moda é o “Tailleur Bar” de Christian Dior, peça que deu origem ao “New Look”. Acho tão significativa e importante que escolhi para ser desenhada para servir de capa do meu primeiro livro: “História da Moda. Uma Narrativa”, atualmente pela D’Livros Editora.

Para uma pessoa que quer começar hoje a trabalhar no ramo, quais dicas você daria ?

Para a pessoa que deseja começar a trabalhar com moda hoje em dia, aconselho, em primeiro lugar, a estudar o assunto. Existem vários cursos nos diversos segmentos da moda. Estudando este ou aquele, ou mesmo um geral que aborde a cultura de moda, creio que a pessoa vá encontrar a área de maior interesse e identificação.
Estar atento e atualizado às informações em geral (economia, mercado, cultura etc.) e também às específicas de moda é mais que necessário, ou melhor, é fundamental. Aconselho também a ter determinismo e saber direcionar o conteúdo adquirido para a área específica de interesse do aspirante. Força de vontade aliada à dedicação costumam dar bons resultados.

Na sua opinião, quais os melhores cursos acadêmicos e por quê?

Todos os cursos os considero bons. Acho que o mais importante é saber qual o interesse específico da área de atuação e encontrar o curso que privilegie melhor esta especificidade do aspirante. Modelagem? Criação? Negócios? Marketing? Saber o que quer e pesquisar uma instituição que direcione os estudos para tal modalidade. Vale lembrar que tudo também vai depender da vontade e do interesse do estudante em adquirir e reter o conhecimento para transformá-lo, no que quer que seja, em resultados.

Vamos falar um pouquinho de moda masculina, por que ela é ainda conservadora se comparada aos países do hemisfério norte ?

Na realidade, sob o ponto de vista histórico, homens sempre se enfeitaram mais e primeiro comparado às mulheres. Foi o processo da Revolução Industrial, no século XIX, que trouxe a realidade de uma roupa de trabalho para os homens baseada numa maior praticidade. Com isso os homens deixaram de se enfeitar e ficaram mais conservadores no seu visual. O homem passou a se impor pelo que produzia como realidade de trabalho e não só mais pela aparência. Os homens resgataram a possibilidade de um retorno às origens só mesmo com o surgimento da moda unissex, na segunda metade dos anos 1960. Todo esse processo foi mais intensificado em países europeus e Estados Unidos, onde já havia um vínculo e uma familiaridade maiores com a linguagem de moda.

A moda nacional teve uma queda de produção, o que você aponta como principais causas disso ?

Como não sou da área específica de produto ou até mesmo da área comercial, não saberia responder com maior fundamento. Creio que diversos fatores relacionados às questões de investimento, políticas públicas, iniciativa privada, emprego/desemprego, modernização e competição em qualidade e preço com o mercado internacional influenciem tal realidade.

Você tem notado o surgimento de novos talentos? Pode me citar nomes?

Como sou professor e lido com a formação dos alunos, percebo muita gente talentosa e criativa. Sinto que normalmente o que falta é uma noção empresarial maior, que possa atuar numa realidade administrativa e comercial para sustentar o processo criativo, caso a pessoa queira montar uma marca própria. Se a pessoa for trabalhar numa empresa já estabelecida, o processo é outro.

Vejo talento, seriedade e responsabilidades contemporâneas no trabalho do Isaac Silva, do Airon Martin (marca Misci), Rafaela Canielo, Ana Luísa Fernandes (marca Aluf), entre inúmeros outros que também já atuam com a marca própria; isso na área do estilismo. Vale lembrar os talentos em áreas outras como produção de moda e styling, fotografia, jornalismo e correlatos.

Como você enxerga a moda pós-COVID?

Trabalho com História, que está associada ao passado. Não existe história do futuro. Mas, essa mesma história é mestra pois nos ensina a conhecer o passado, entender o presente e projetar um futuro melhor. Acho que ninguém tem certeza de nada de como a moda será pós Covid-19. Existem especulações e, possivelmente, a concretização de realidades que já vinham sendo praticadas, aceleradas pela pandemia, tais como, responsabilidade social, empatia, moda inclusiva, consumo consciente e responsável, valorização da criatividade, subjetividade, valores sustentáveis (eco-ambiental, social, econômico e cultural) aplicados à moda e, como é comum no setor, lidar com o sonho, com os escapes da realidade favorecendo o surgimentos de novos padrões estéticos, novas maneiras e, por extensão, novas modas. Gosto de uma frase em latim, já dita pelos romanos há mais de 2 mil anos atrás: NON NOVA, SED NOVE, ou seja, “Não novo, mas de uma maneira nova”.

Creio que, num primeiro momento, haja a valorização de uma moda mais prática e confortável e até mesmo mais purista; acredito muito no investimento e continuidade de pesquisa nos avanços e uso de recursos tecnológicos cada vez mais aprimorados (tanto no têxtil, como na produção) aplicados ao setor; uma prática maior do e-commerce e, também acredito que depois de um restabelecimento econômico haja um resgate de maiores intensidades estéticas associadas a uma nova “alegria de viver”.

Quais marcas você considera de relevância e por quê?

Marcas que atuem com ética, respeito, responsabilidade social e transparência.

Que mensagem você deixaria aos seguidores do blog? Que peças são indispensáveis no seu guarda-roupa?

Deixo a mensagem de sempre estarem atentos ao ar dos tempos. Como disse Camões: “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”. E, vale lembrar que moda, além de ser criação, além de ser business, é também mudança com regularidade (comportamental e estética [modo e moda]), não esquecendo de estudo, pesquisa, acesso à informação etc. No meu guarda-roupa, sendo bem pretensioso, são indispensáveis as camisas que eu mesmo crio para mim, há mais de 3 décadas.

Até o próximo MPH Entrevista!

Diogo Rufino Machado

Ariano. Apaixonado por moda masculina e música eletrônica. Advogado. Jornalista de moda e blogueiro nas horas vagas.

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