Vi essa matéria no FFW e achei que seria interessante compartilhar por aqui. É uma ótima reflexão sobre como o universo da moda está mudando, seguindo a onda da internet e da informação rápida.
Tudo muda o tempo todo. Primeiro, a internet e agora, as redes sociais e sua instantaneidade têm provocado uma avalanche de transformações no mundo. E a moda, com sua ânsia pelo novo, certamente tem sido uma das indústrias mais impactadas por essa revolução.
Uma nova geração de consumidores nasceu e cresceu com o imediatismo das redes. Hoje desfiles (desde sempre pensados para os profissionais da indústria) são acompanhados ao vivo, minuto a minuto, por milhares de pessoas no mundo todo. Desfiles de coleções de inverno sendo mostrados em pleno verão. Coleções de resort em pleno inverno, masculino se misturando a Alta-Costura. Quem é de fora da indústria assiste a tudo isso pelas telas de um smartphone e não entende nada, muito menos por que devem esperar seis meses pra comprar algo quando podemos comprar qualquer coisa em minutos, sem sair de casa, com apenas um clique, de um ingresso de cinema a uma roupa, joia, comida, viagem. É a geração IWWIWWIWI (I Want What I Want When I Want; “eu quero o que eu quero quando eu quero”). O gap entre o que é mostrado no desfile e o que está nas lojas não é compreendido por essa audiência, tornando esse sistema fora de uso.
Os desfiles são hoje mais importantes do que nunca. Uma ferramenta de comunicação poderosíssima, mas que precisa ser repensada para que marcas e designers possam tirar o melhor resultado de tanto investimento e esforço. Com custos altíssimos de produção, o desfile focado apenas na indústria, seis meses antes da coleção chegar às lojas, parece fazer cada vez menos sentido.
Há um ano o CFDA debate sobre o formato atual dos calendários de moda. Hoje, e desde sempre, os desfiles mostram uma roupa, seduzem a mídia especializada (e agora também o consumidor), são destaques em revistas e sites, mas só chegam às lojas no outro semestre. Até lá, a vontade de comprar aquilo que você viu e amou, já passou. E você provavelmente se esqueceu. Todo um esforço e investimento para provocar o consumidor se perde e precisa ser provocado de novo meses depois com novos investimentos, campanhas e ações de varejo.
“Agora, na moda, o futuro é tudo sobre o que as pessoas querem falar”, diz Donatella Versace. Mas o futuro já é agora, está acontecendo nesse exato momento. A moda tem que se mover rápido para se desvencilhar de um “sistema envelhecido”, e entrar em sintonia com os tempos atuais.
Enquanto a semana de moda de Nova York avaliava se mudava o calendário, apresentando o verão no verão e o inverno no inverno, a Burberry mais uma vez saiu na frente e anunciou a grande mudança há poucos dias, alinhando o varejo ao desejo do consumidor. As roupas do desfile estarão nas lojas da marca logo após a apresentação. De forma instantânea.
Quando tudo é transmitido em tempo real, com live stream, câmeras 360 graus, Instagram, Snapchat e Twitter, de fato não há mais novidade após seis meses, quando essas coleções chegam às lojas. Em poucas horas, da passarela ao backstage, tudo já foi postado. Pela marca, pelo estilista, pelas modelos, pelo público, pelas editoras. E todo o esforço em torno do do desfile se perde e é difícil traduzi-lo em vendas e lucros. “Você cria toda essa energia em torno do desfile, daí ele acaba e você diz: agora esqueçam porque ele não estará nas lojas nos próximos seis meses”, disse Christopher Bailey, CEO e diretor criativo da Burberry, ao BoF.
Não demorou para que outros estilistas se manifestassem. Tom Ford, Marc Jacobs, Donatella Versace e Tommy Hilfiger também se preparam para essa transformação de calendário. Muitos outros ainda devem seguir. “Para algumas pessoas essa mudança é algo terrível. Elas querem que a moda fique a mesma, como se os smartphones nunca tivessem sido inventados”, diz Donatella. “Se as pessoas dizem que a moda está andando muito rápido, eu acho que temos que ser mais rápidos ainda e planejar nosso futuro juntos”.
A Vetements, marca do underground parisiense que vem causando impacto na moda atualmente, vai ainda mais longe. Em vez de desfilar em março junto com todas as outras marcas de prêt-à-porter feminino, vai mostrar suas coleções masculina e feminina juntas, em janeiro, no momento em que as pré-coleções (isso mesmo, uma coleção nova antes de uma outra coleção nova num espaço de menos de 2 meses) são mostradas e vai vendê-las imediatamente. Em momentos como o que vivemos, as marcas menores se beneficiam, pois mudar uma estrutura mais enxuta e menos arraigada é mais fácil do que mudar grandes empresas e todos seus processos solidificados.
A mudança certamente terá um impacto na indústria no que diz respeito especialmente a cadeia de fornecedores e compradores. “Nós não temos as respostas para tudo. Nós também vamos aprender ao ponto que as coisas acontecem”, diz Bailey. A Burberry inclusive deixará de nominar suas coleções como “inverno”e “verão”, uma vez que até mesmo as estações já não fazem mais sentido para uma marca com presença global. Para Paulo Borges, diretor da SPFW, essa nomenclatura já perdeu o sentido há tempos “com o mundo afetado pela globalização e com estações cada vez menos definidas não faz mais sentido falarmos de inverno e verão. As pessoas compram moda por desejo. Não importa se é inverno ou verão”.
Do aspecto criativo, ainda precisamos entender se uma coleção feita focada no varejo impactará a criacão de forma negativa, podando ainda mais as ideias do estilista. Pelo que percebemos, pouco deve mudar nesse sentido. Grandes marcas como Burberry, Gucci e Chanel já usam seus desfiles também como ferramentas milionárias de marketing e buzz. Já as grifes menores e mais conceituais, não podem se distanciar do que as tornou relevantes: a criação original. As mudanças no calendário passam a ocorrer a partir de setembro deste ano, começando por Nova York.
Para Diane Von Furstenberg, o que funcionava até ontem já não funciona mais. Em entrevista ao “NYT”, Diane diz: “nós estamos em um momento de completa confusão entre o que éramos e o que seremos. Todos nós temos que aprender novas regras”.
Enquanto isso o consumidor vai assistindo tudo pela tela de seu smartphone.
Por Augusto Mariotti e Camila Yahn no FFW.
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