Lei Rouanet passa a incentivar projetos de moda. O que significa?

A partir de agora, os desfiles (ou projetos) de moda foram incluídos como beneficiários da Lei Rouanet. A notícia chegou à tona essa semana, devido à divulgação do financiamento de R$2.800.000,00 que Pedro Lourenço conseguiu para a realização dos seus dois próximos desfiles em Paris. E mais R$2.600.00,00 para os próximos desfiles de Alexandre Herchcovitch em SP e NYC. É  isso mesmo: cinco milhões e quatrocentos mil reais do governo para realizar seus próximos desfiles nas semanas de moda de Paris e Nova York.

Se nada faz muito sentido para você, eu explico. Existe uma lei de incentivo à cultura desde 1991 que basicamente financia projetos de cunho cultural tais como teatro, música, artes plásticas, artesanato, entre outros. A luta para que moda fosse beneficiada nessa lei já não é nova. Atualmente o brasileiro já entende moda como arte, design e bem cultural de um povo (finalmente!). No entanto, mesmo com uma briga que começou em 2010, só agora o Ministério da Cultura aprovou oficialmente a inclusão da mesma.

Estilistas fazem protesto no desfile da Cavalera há poucas temporadas. Eles pedem incentivo pra qualificação de mão de obra e estruturação da cadeia produtiva.

Apesar da sensação de conquista e de que algo está mudando num país em que grande porcentagem do trabalho têxtil é feito em fundos de quintal com mão de obra informal e a salários vergonhosos (quando não se utilizam de escravidão), os primeiros beneficiados foram as duas próximas coleções de Pedro Lourenço e Alexandre Herchcovitch, que serão apresentadas na semana de alta costura de Paris e na Semana de Nova York. A argumentação dado pelo filho-prodígio da moda, baseia-se de que, por meio de seu desfile, “as pessoas terão acesso a cultura brasileira por meio de uma moda surpreendente”, em suas próprias palavras. Segundo o site Chic, as coleções do filho de Glória Coelho com Reinaldo Lourenço seriam inspiradas na figura da Carmen Miranda (que, diga-se de passagem, nem brasileira é). Agora veja a imagem abaixo e tirem suas próprias conclusões.

Museu Carmen Miranda, no Rio de Janeiro, tem péssimas condições de manter o acervo original. Estive presente em uma visita e pude ver de perto as péssimas condições de preservação das peças.

A Lei

Para entender um pouco a lei (e ver até em que ponto os nossos projetos de moda também podem ser beneficiados), acessei o site do governo, e entendi que a ideia é incentivar a regionalização da produção artístico-cultural brasileira e, ponto extremamente importante no artigo 1º, é de priorizar o produto cultural originário do país (e aí a gente se pergunta se a produção de Pedro é 100% nacional – da matéria prima à produção).

Isso nos faz questionar até que ponto a moda feita por Pedro Lourenço -que estudou no exterior e trabalhou fora todo esse tempo- apresentada em Paris, carrega a identidade nacional e beneficia o povo brasileiro (afinal, estamos falando do nosso dinheiro). Estamos num momento em que a moda é totalmente globalizada, cada vez mais cosmopolita e, quem carrega mesmo o título de “estilista brasileiro”, é o próprio estilista, e não a sua criação ou o seu povo. A pergunta é: de que maneira o povo brasileiro se beneficia de uma moda apresentada em Paris para cerca de 300 pessoas para um nicho de mercado quase fora da nossa realidade mercadológica (a Allta Costura)? Seria para “fazer bonito para os gringos?” Essa história já vimos com as Copa das Confederações, e o resultado não foi muito positivo.

Não haveria problemas no uso dos R$2,8 milhões do governo, se a indústria de moda no brasil fosse estruturada no “padrão fifa”. Enquanto o consumo de luxo cresce no país, existem outros milhões que ganham um salário mínimo em trabalhos informais a condições precárias e desumanas em fundos de fábricas e galpões. Sim isso também é moda, e governo está virando o rosto para este fato. Além do mais, por que Pedro Lourenço estudou Moda na Europa? Será que não são nossas faculdades que não estão precisando de incentivo?

Mercado do Brás - SP: acreditem, também é moda!

Eis que surge a história de sempre: estamos olhando muito mais para nossa imagem no exterior do que a real situação do mercado brasileiro. Muitas marcas  já estão importando parte da coleção diretamente da China por ser mais viável economicamente (estamos falando aqui do produto final), tecelagens e malharias já estão se transformando em importadoras para não correr o risco de falir, enquanto milhares de jovens saem das faculdades de moda a cada seis meses, caindo num mercado sem o menor preparo para receber suas criações e trabalhos. Por que não nos estruturamos primeiro enquanto mercado nacional e ensino de moda, e passamos resolver primeiro nossos problemas internos, a incentivar nossos novos designers, nossos artesãos, fábricas e renderas que fazem um trabalho único em todo mundo e incentivamos, por fim, uma moda feita para nós mesmos, e não para brilhar os nossos olhos?

Somos a favor de uma moda feita por brasileiros, mas para brasileiros. Fica a reflexão. O que você acha?

Blogueiro e designer de moda. Também escreve no Sem Geração.
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8 comentários em “Lei Rouanet passa a incentivar projetos de moda. O que significa?

  1. Dhyogo Oliveira, concordo planamente contigo. Muito bom o seu texto.

    Acreditar que a Alta Costura é arte para todos é loucura. Isso não existe nem aqui nem em Londres, NY ou Paris. Alta Costura é de acesso extremamente restrito.
    Estou bem próximo a loja do Reinaldo aqui na Bela Cintra e vamos combinar, é belíssimo, mas mesmo a classe média paulistana não tem acesso.

    Pessoal está esquecendo a massa do bolo e só pensa na cereja e no chantilly. Um absurdo essa liberação de verbas.

    Quero ver se um designer de moda chega sem nenhum tostão no BNDES e, mesmo todos sabendo o quanto é emergente o mercado da moda, liberam algo para que ele possa abrir sua loja. Duvido.

    Abraço!

  2. Oi Dhyogo,

    Sou produtor cultura e trabalho efetivamente com leis de incentivo a cultural, em especial a Lei Rouanet. E adoro moda!

    Não vejo nenhum problema um projeto de moda ser patrocinado via renuncia fiscal. Mas neste caso específico existem diversos problemas/equívocos.

    1- O projeto do Pedro NÃO acontecerá no Brasil, então em nada irá privilegiar a cultura nacional.

    2- O projeto foi NEGADO pela CNIC (Comissão Nacional de Incentivo à Cultura). A CNIC é um órgão com representantes da sociedade civil e do governo, de todas as regiões do Brasil, que são responsáveis por aprovar ou não projeto patrocinados via Lei Rouanet. E a Ministra da Cultura Martha Suplicy passou por cima da decisão da CNIC, descreditando sua autonomia, e solicitou a aprovação do projeto.

    3- A proponente do projeto (empresa responsável por inscrever o projeto na Lei) é um produtora cultural que trabalha como Consultora da área de Moda dentro Ministério da Cultural. No mínimo um problema de falta de ética.

    Resumindo a história toda é um erro!

    A lei destina-se a incentivar a cultura nacional, o fomento e a fruição de bens culturais, materiais e imateriais. A sua ideia inicial é que ela fosse um incentivo para aquelas produções que sem a existência da lei não teria como existir.

    E no caso da moda e de alguns estilista/marcas, com ou sem a lei, eles continuarão existindo. Pois estão inseridos dentro de toda uma forte lógica mercadológica.

    Nada contra o Pedro, que alias adoro, assim com o Herchcovitch. Mas a Lei Rouanet atualmente é dos principais mecanismos de incentivo a cultural no país, ela possui diversos problemas e críticas e passa agora por um intenso processo de reformulação.

    Então eles precisam ter muito cuido ao utilizar esse mecanismo para não aparecer puro oportunismo.

    1. Obrigado pelo comentário, Rafael!

      É exatamente isso: somos a favor de um incentivo à moda por parte do governo. Lutamos por isso desde 2010. Inclusive eu estava presente quando o assunto foi pauta pela primeira vez na câmera dos vereadores aqui no Rio de Janeiro.

      A questão é aplicação dessa verba. É errado incentivar e investir num desfile de moda que acontece em Paris, por um estilista que nem no Brasil estudou! (também adoro o Pedro como designer, nada contra ele).

      Vamos incentivar os cursos superiores, os cursos técnicos, a cadeia produtiva nacional e as marcas pequenas. É só arrumando a baderna interna do nosso país, que desfilar em Paris será consequência disso. É investir a longo prazo.

      Admiro muito Herchcovitch, Pedro Lourenço e tantos outros nomes nacionais, mas honestamente acho que falta esses grandes nomes olharem mais para o nosso país (e o mercado, consequentemente), e menos para as suas marcas e interesses próprios.

  3. Admiro o Herchcovitch. E ouvi falar (pode ser mentira, portanto, apenas um boato, mas está rolando) que os papais do Pedro são amigos de Martha…

    Mas acho que nem o Herchcovitch deveria receber dinheiro de leis de incentivo. Ele é nome consagrado aqui dentro e até já estava fazia um tempo reposicionando seu trabalho, aí aparece essa lei e ele volta atrás e muda tudo hmmmmm.

    Qto ao Pedro, basta ler a ótima reportagem da revista Piauí (Bafo em Paris, da edição de N.º 79) para saber o que o moço pensa sobre a moda feita no Brasil. Só críticas, inclusive ele não trabalhava na época da entrevista com matéria-prima nacional por considerá-la de baixa qualidade. Deve ter mudado de opinião.

    Seria de bom tom a imprensa investigar as relações da ministra com a referida família. Até porque temos um comentário do Rafael Fernandes, que parece estar muito bem informado. Se existe um órgão consultivo como a CNIC, que aprova ou barra os projetos por seus méritos, e o do P. Lourenço foi reprovado, estamos tendo uma ingerência da ministra. E é muito dinheiro. Investigação já!

    Com esse dinheiro não daria para dar uma “recauchutada” no Museu Carmen Miranda, não? Talvez desse para melhorar esse e muitos museus Brasil afora.

    VER GO NHO SO viver num país em que “otoridades” fazem o que bem entendem com nosso dinheiro, passando inclusive por cima de comissões nacionais, que são especialistas no assunto.

    Lógico que essa história está cheirando mal. Fede.

  4. Concordo com o foi dito e ainda penso : não seria melhor incentivar pessoas que estão começando?
    O Pedro Lourenço nem desfila no Brasil, nem mora aqui e ainda suas roupas nem são produzidas aqui!!!
    Sério, moda é arte, mas posso ser sincero? Pedro Lourenço não me representa. rs

  5. Mais uma vez farra com o dinheiro público, benefício mensurável para a população ou classe criadora brasileira, zero. Quero meu pai gay e minha mãe bolacha patrocinando estudos no exterior e quando crescer usar dinheiro dos contribuintes pra desfilar em Paris, e olha que isso aqui não é o Camboja.

  6. Não sou um estudante de moda e também não trabalho nessa área, mas tenho lido e acompanhado esse contexto há algum tempo, e gostaria de felicitá-lo por uma reflexão tão plausível e rica de punho político e social; fugindo daquela idealização que moda é algo fútil e sem fundamento. Receba meus sinceros parabéns;desejando que a cada nova postagem se tenham análises como esta.

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